Guernica

Na onda da exposição de Picasso em São Paulo, um poema de um dos melhores autores do Brasil.

No Vosso e Em Meu Coração

Manuel Bandeira in Belo Belo

Espanha no coração:
No coração de Neruda,
No vosso e em meu coração.
Espanha da liberdade,
Não a Espanha da opressão.
Espanha republicana:
A Espanha de Franco, não!
Velha Espanha de Pelaio,
Do Cid, do Grã-Capitão!
Espanha de honra e verdade,
Não a Espanha da traição!
Espanha de Dom Rodrigo,
Não a do Conde Julião!
Espanha republicana:
A Espanha de Franco, não!
Espanha dos grandes místicos,
Dos santos poetas, de João
Da Cruz, de Teresa de Ávila
E de Frei Luís de Leão!
Espanha da livre crença,
Jamais a da Inquisição!
Espanha de Lope e Góngora,
De Góia e Cervantes, não
A de Filipe Segundo
Nem Fernando, o balandrão!
Espanha que se batia
Contra o corso Napoleão!
Espanha da liberdade:
A Espanha de Franco, não!
Espanha republicana,
Noiva da revolução!
Espanha atual de Picasso
De Casals, de Lorca, irmão
Assassinado em Granada!
Espanha do coração
De Pablo Neruda, Espanha
No vosso e em meu coração!

Viver é resistir

Continuando a breve série de poemas em homenagem aos trabalhadores, homens e mulheres, que morreram nos porões das prisões e das fábricas durante a ditadura no Brasil…

II

Mas com elas é muito pior…
    como pode ser pior!?
Não,  não é o estupro o pior
é a destruição da vida

Ela
        nem sabia
                                                                  o viu pela última vez
foi presa só
                                                     foi solta, só
foi tocada, apalpada
     penetrada
                                                      não lhe deixaram sentir
                                                      a mão no ventre
deu a luz
                                                      deu a luz
nunca mais
                                                      foi a mesma
enlouqueceu
                                                      fugiu.

Jantar

Hoje

jantei cerveja

    e ódio…

 

E dividi a janta

com os que tinham ainda mais comida

a me oferecer

 

Hoje

jantei cerveja

    e ódio…

 

E chorei sozinho

quando estava

satisfeito

Hoje

jantei cerveja

   e ódio…

 

E sinto a fome morta

e a queimação

no peito

 

Hoje

jantei cerveja

   e ódio…

 

E vou dormir

pra fazer a digestão

com a calma adequada

e a classe indispensável.

 

 

Escrita em 27.fev desse ano.

Há tanto tempo…

Novamente, depois de muito tempo sem postar, coloco algo novo aqui.

A primeira de uma série de poesias em homenagem ao GTM, à peça que fizemos ano passado e, especialmente, a todas e todos os lutadores que sofreram tanto para que eu consiga colocar isso aqui na internet sem medo de virem à noite me fazer uma visita bastante inconveniente…

Viver e resistir

I

Estou sozinho,
e todos os meus camaradas
estão comigo.

Constroe minha loucura
conversam comigo
me dão forças pra negar
negar o meu corpo.

A cada não, um abraço
um aperto de mão
no meu pescoço
no botão do choque
um aperto do no no meu pé
do pé, no meu saco.

E é a minha esquizofrenia construída que me mantém
morrendo por fora
e vivendo lá fora.

Imagens

Eu só sei fazer poesia, mas acho animal quem sabe fazer poesia com traços e cores. Vou colocar aqui uma série de imagens que for pegando na internet. Quando não tiver o que colocar, vou colocar os grafites desse cara, o Banksy. Ele é muito foda. Esse abaixo, reflete bem o mundo que estamos vivendo hoje… repressão policial evitando que a gente possa ter qualquer sonho, mesmo os mais inocentes sonhos de criança.

A vida imita a arte, ou a arte imita a vida?

Não é pergunta existencial não, é só provocação mesmo… ficam hoje dois textos que falam EXATAMENTE sobre o mesmo tema… mas que parecem tão distantes.

O primeiro, a poesia, do genial – e caríssimo – Chico Buarque de Holanda. Infelizmente, não é mais o Chico politizado de outrora, que traduziu/escreveu a peça Os Saltimbancos (com letras de Sergio Bardotti e música de Luis Enríquez Bacalov, baseado no conto ‘Os Músicos de Bremen). Mas como as obras são eternas, fica aí a poesia (atentem para o conteúdo da letra e não para as rimas simples a música infantil). Além da poesia, leiam o texto do blog do Sakamoto (excelente): “Salsichas, Nuggets e o direito do trabalhador ao descanso”. Lembrando que o descanso só vai ser alcançado numa sociedade em que boa parte do nosso trabalho não sirva para enriquecer os outros, e sim a nós mesmos…

 

A Galinha

Todo ovo

Que eu choco
Me toco
De novo
Todo ovo
É a cara
É a clara
Do vovô

Mas fiquei
Bloqueada
E agora
De noite
Só sonho
Gemada

A escassa produção
Alarma o patrão
As galinhas sérias
Jamais tiram férias
“Estás velha, te perdôo
Tu ficas na granja
Em forma de canja”

Ah !!! é esse o meu troco
Por anos de choco???
Dei-lhe uma bicada
E fugi, chocada

Quero cantar
Na ronda
Na crista
Da onda

Pois um bico a mais
Só faz mais feliz
A grande gaiola
Do meu país

Uma doce manhã…

Bom enquanto a minha aula rola, to em casa fazendo tarefas… Daí, vim responder uns comentários aqui, e na minha tentativa de voltar a dar dinâmica pra isso aqui, um poema batido, mas excelente, do Ferreira Gullar e outro que eu não sei se tão batido assim… Homenagem ao, na minha opinião, segundo melhor poeta brasileiro (não abro mão do Drummond, ainda que com certo peso na consciência).

O Açucar

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.

 

“Dois e Dois são Quatro”

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

– sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.

Voltando…

É… depois de muito tempo, volto ao blog… foi um mês, ou mais, sem muito tempo pra mim mesmo… daí, qdo tive tempo, separei ele todo de uma vez, e o desequilíbrio me deixou com menos tempo ainda… ta, não da pra entender tudo, mas quem viveu isso comigo entendeu bem…

De qualquer jeito, de volta com tudo… Terminando tudo do ENEEF, estudando Neuroanato, e ensaiando muito, porque nossa estréia é dia 19/9, em Caieiras… Espetáculo “After Brodway”, com o grupo de circo “Estrupeados” e a Orquestra de Caieiras.

Além disso, assisti muitos filmes nos últimos dias… estou numa fase Almodovar, e dos que vi, o melhor, sem duvidas, é Fale Com Ela. Não sei descrever bem, mas é excelente… não tem momentos de enrolação, é bonito, envolvente… terminei, desesperado por assistir um espetáculo de Ballet… ainda vou fazer isso, não tive tempo/condição…

Além disso, estou numa fase de Rap… ouvi muito pouco rap, e me surpreendi com a visualidade das letras… são fortes, são socos bem dados, ainda que nem sempre exatamente na pessoa que deveria receber… mas não tem erro, acerta um, causa tumulto, e o alvo ideal leva pelo menos um empurrão…

Segue mais um que não é uma poesia tida como poesia, que não vai ter a menor chance na ABL, mas que é bom, mto bom… Da pra ver a cena, acontecendo, na sua frente… e é difícil ver isso e ficar quieto…

12 de Outubro

Racionais MC’s

Aí no caminho passamo por uma favela assim
E trombamo com uns molequinho jogando bola e tal
E começamo a provocar
“Ei moleque, ce é santista, tal.”
“Não, eu sou corintiano.”
Eu falei
“Ei, Marcelinho vai ‘rebentar vocês.”
Os moleque vinho naquela idéia de jogo
Daí eu comecei a pesar do lado dos moleque
“E aí, mano, e aí, tá estudando e tal.”
Aí o moleque falou assim
“Ih, esse aqui hoje xingou a mãe dele.”
Aí eu falei assim
“Porque você xingou sua mãe?”
“Ah, porque…”
Não, nem foi isso, ele falou assim
Eu falei
“Ganhou, vocês ganharam presente?”
Eu perguntei
Num foi não, Neto
“Vocês ganharam presente?”
Aí ele falou
“Ganhei foi um tapa na cara hoje.”
Aí eu falei
“Porque você tomou um tapa na cara?”
“Ah, minha mãe deu um tapa na minha cara, foi isso que eu ganhei, não ganhei presente não.”
Falou assim, ó, bem convicto mesmo
Aí eu falei assim
“Porque você tomou um tapa na cara?”
“Ah, porque eu xinguei ela.”
“Ma’, porque você xingou ela?”
“Ah, lógico, todo mundo ganhou presente e eu não ganhei porque?”
Aí eu fiquei pensando, né mano
Como uma coisa gera a outra
Isso gera um ódio
O moleque com 10 ano, pô
Tomar um tapa na cara
No dia das criança
Eu fico pensando
Quantas morte, quantas tragédia
em família, o governo já não causou
Com a incompetência
Com a falta de humanidade
Quantas pessoas num morrero
De frustração, de desgosto
Longe do pai, longe da mãe
Dentro de cadeia
Por culpa da incompetência desses daí
Entendeu
Que fala na televisão
Fala bonito
Come bem
Forte, gordo
Viaja bastante
Tenta chamar os gringo aqui ‘pa dentro
Enquanto os próprio brasileiro tão aí, ó jogado
No mundão
Do jeito que o mundão vier
Sem nenhum plano tra, traçado
Sem trajetória nenhuma
Vivendo a vida

E o moleque era mó revolta, vai vendo
Moleque revolta
E ele tava friozão
Jogando bola lá, tal
Como se nada tivesse acontecido
Ali marcou pra ele
Talvez ele tenha se transformado numa outra pessoa aquele dia
Vai vendo o barato
Dia das criança.

Isso também é poesia…

Outro dia, por um acaso, ouvi, dentre as minhas muitas músicas, uma que não ouvia há muito tempo… anos mesmo…

Ouvi Negro Drama, dos Racionais MC’s.. e aquilo bateu em mim muito forte… apesar de alguns pesares, o quanto aquela música fla da realidade… Acho que isso tem muita relação com as visitas a favelas que eu tenho feito em algumas aulas… seja porque for, coloco aqui embaixo um trecho, porque é preciso lembrar que isso não é a literatura formal da escola, mas é poesia da mais bonita… e segue a linha da última que eu coloquei aí, que incomoda, que dói pra ler, que pesa no papel, mancha a tela…

Mudando de leve de assunto, vi outro dia um excelente filme… Hooligans (ou CSE Hooligans), com o Elijah Wood (?). Muito bom mesmo… mostra um lado interessante das torcidas violentas… tipo, porque eles não são monstros, são humanos, com motivos, pessoais, sociais… etc… mto bom mesmo… vejam… nota 8, de 10.

Negro Drama (trecho)

Racionais Mc’s

Pesadelo,
Hum,

É um elogio,
Pra quem vive na guerra,
A paz
Nunca existiu,
No clima quente,
A minha gente soa frio,

tinha um Pretinho,
Seu caderno era um Fuzil,
(…)

Uma negra,
E uma criança nos braços,
Solitária na floresta,
De concreto e aço,

Veja,
Olha outra vez,
O rosto na multidão,
A multidão é um monstro,

Sem rosto e Coração,

Hey,
São Paulo,
Terra de arranha-céu,
A garoa rasga a carne,

Famíla Brasileira,
2 contra o mundo,
Mãe solteira,
De um promissor,
Vagabundo,
(…)
O Bastardo,
Mais um filho pardo,
Sem Pai,

Senhor de engenho,
Eu sei,
Bem quem é você

O lado ruim do inverno…

Hoje, estou gripado, num dia frio… e é nessa situação, que esse poema mais me incomoda… se eu, na minha casa, com cobertor, janela, teto, forro do teto, chuveiro eletrico, passo frio… imagina um bicho homem como o citado abaixo… ou um que mora num barraco, de madeira fina e mal vedada… O inverno é a estação onde se lembra a vantagem de ser rico… é a estação onde o trabalhador sofre, com o frio, com a gripe, com as doenças de seus filhos… e não podem descansar, parar, jamais…

Fica então um poema doido, incomodo… não gosto de lê-lo, pois não consigo esquecer a imagem que me vem à mente… mas é necessário espalhar essa imagem pra mais pessoas….

O Bicho

Manoel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.